3 janeiro 2018 arquivado em: Blog guache

Começou em uma conversa despretensiosa com o Gui, sobre a saudade e a injustiça das unidades de medidas que separam duas pessoas geograficamente; pra mim, a saudade sempre foi essa coisa difícil de lidar, de sentir, e mesmo de por em palavras ou cores. Quando eu penso em saudade, penso em dor, em aperto, em nó na garganta, porque a saudade é esse vazio que fica entre os braços, é você fechar os olhos e tentar sentir aquele cheiro, reconstruir aquele lugar que, a cada nova tentativa, vai se esvaindo mais um pouquinho. Mas a saudade é tudo isso porque alguma coisa já aconteceu antes.

Só tem saudade quem se deixou ser morada, quem se deixou aninhar no coração de alguém. Criar laços é construir um lar no coração da outra pessoa. Um lar pode ser uma casa de três andares e pode ser um castelo, mas há de se começar com um pequeno ninho, uma casinha miúda, porque criar laços leva tempo e começa devagarinho, com delicadeza e um punhado de sorrisos. E depois vêm as histórias, quando se criam as memórias e as penduram nas paredes da sala, ou às vezes as eternizam numa cicatriz. Construir um lar pode levar um mês, uma semana ou uma vida inteira, e nunca está finalizado, pois ele se edifica dos sentimentos quando são recíprocos, das novas memórias. Por isso dói quando partimos: porque criar laços quer dizer criar um lar no coração da outra pessoa, que quer dizer criar raízes.

E talvez seja essa a grande lição que a saudade quer que a gente aprenda: a criar raízes, sim, mas também criar asas. A não ter medo de construir um lar, mas também a encarar a partida com bravura, porque se deixar habitar também é um ato de coragem, e há grande beleza nesse movimento de ir e vir, em que se deixa um pouco de si no outro, e se ganha um pouco do outro, também. É como se a gente fosse um pouco passarinho, que chega tímido, faz morada e depois alça novos voos; criar laços quer dizer criar um lar no coração da outra pessoa, que é pra onde a gente sabe que pode sempre voltar.

É curioso pensar no processo de quando quero desenhar ‘pra mim’, onde esse querer geralmente é urgente mas, ao encontrar a folha vazia, parece se espreguiçar, se demorar, deixar pra depois. Essa era uma ideia que estava no sketchbook há um bom tempo, adormecida. O Gui, pouco tempo depois, transformou a nossa conversa em ilustração. Eu sentia falta de algo mais forte que puxasse os rascunhos pra fora das páginas.

fotos tiradas do meu celular, na manhã de um sábado feliz de chuva e sol.

Foi lindo chegar na Praia de Iracema e ver a instalação feita pelo Libre Gutiérrez + os adolescentes do Centro Sócio-Educativo do Passaré durante o IV Festival Concreto. Penso no coração como lugar de se fazer moradia, de novo. Penso nas casinhas que abrigam habitantes queridos, e nas casinhas que estão vazias. Vejo que ainda há espaço para novos lares, sempre há de existir. E quase uma semana depois, chego em casa às sete da noite, pego um pedaço de papel paraná qualquer, um estojinho de guache, um copo d’água, uns pincéis, e esse impulso de querer experimentar, de querer colocar pra fora essas memórias, essas reflexões, essas vivências todas na textura do guache, nos golpes de pincel.

 

“Em francês, “adieu” são as quatro ou cinco voltas que uma folha dança no ar, ao tentar em vão alçar vôo, antes de cair no leito de um rio.” – Rita Apoena

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amaram
    Meus pincéis favoritos (aquarela e guache)
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