10 agosto 2021 arquivado em: aquarela Blog processo criativo

Senti uma vontade muito grande de registrar aqui o processo criativo da minha última ilustração. Foi uma ilustração muito difícil de fazer. Na verdade, de chegar ao desenho final, acho que porque eu queria que ela tentasse explicar o que eu estava sentindo. Ela precisava ser fiel às coisas que eu não consigo colocar um nome, mas que estão aqui, martelando a minha cabeça, entalando a minha garganta, sem conseguir sair. Nessa ilustração, eu acho que consegui tirar uma boa parte disso de dentro de mim.

Lidando com um bloqueio criativo

Recentemente, eu passei por mais um bloqueio criativo. Estava me sentindo sempre muito cansada pra desenhar. Às vezes até tinha algumas ideias, mas me faltava a coragem de pegar os materiais e começar a passar tudo pro papel. Atravessar um bloqueio criativo depois de adulta (e terapeutizada) foi infinitamente mais fácil do que quando eu passei por isso mais novinha – porque agora eu sei que não adianta forçar muito a barra, que eu preciso acolher esse momento, respeitar meu tempo, e o mais importante: tal hora passa.

processo criativo - juliana rabelo

Quando atingi o marco de uma semana sem pegar nos meus materiais artísticos, comecei devagarinho a tentar algumas possibilidades mais tranquilas de estimular minha critividade. Essas possibilidades sempre me divertem no processo: comecei a fazer colagens e, depois, tirei o guache que estava guardado no armário há um tempo. Essas duas técnicas, pra mim, são sinônimos de “pode errar sem medo”, me dão uma liberdade muito grande pra experimentar, explorar, deixando as expectativas de lado e aproveitando a alegria genuína do processo criativo.

A influência do que está ao meu redor e dentro de mim

Alguns dias depois, eu finalmente tomei a primeira dose da vacina contra o coronavírus e, alguns dias depois disso, com vários sentimentos gritando coisas diferentes dentro da minha cabeça (sem me deixar entender nada), senti uma urgência muito grande de desenhar. E aí saiu essa ilustração, combinando aquarela, guache e colagem.

processo criativo - juliana rabelo

Comecei a perceber que eu sentia muita vontade de usar essa dinâmica de cores nas minhas ilustrações: um fundo bem escuro x elementos bem coloridos no primeiro plano. Acolhi esse sentimento e, sem relfetir muito sobre os por quês, pintei algumas vezes pequenas paisagens com esse esquema.

Me considero uma pessoa bastante esforçada na busca do autoconhecimento. E sentindo coisas tão novas e tão complexas todos os dias, perceber a dificuldade de falar sobre elas e explicar com palavras acabou criando em mim essa urgência de registrar por outros meios. Ou pelo menos de tentar.

Os primeiros rascunhos

Bem, essa era a minha ideia inicial: uma personagem carregando um buquê de flores murchas, atravessando alguma coisa líquida e profunda, enquanto pássaros levavam flores vivas na direção do destino dela. O mais difícil foi conseguir dar esse primeiro passo, ter essa primeira ideia (e conseguir colocá-la no papel!). E depois disso, surgiram uma série de outras ideias em sequência, e eu fui desenhando tentando acompanhar a velocidade que elas vinham, sem julgar, nas páginas do meu sketchbook.

Gosto de tentar lembrar como algumas ideias surgem. Eu comecei a pensar sobre o conceito das flores murchas: o cansaço, o tempo que passou, a falta de nutrientes pra se manter de pé, a perda de cores. E também sobre o das flores vivas, que voavam com os pássaros. E nesse processo de pensar com a cabeça e com as mãos, acabou saindo esse desenho – uma flecha em forma de flor.

Foi basicamente esse pequeno, tímido desenhozinho no cantinho da página, que fez meus olhos brilharem, minha cabeça ferver e meu coração bater mais rápido. Quando eu olhei pra ele pintado, eu soube que estava muito perto de conseguir falar sobre as coisas que eu estava sentindo. De repente a angústia foi virando alívio.

processo criativo - juliana rabelo
processo criativo - juliana rabelo

E depois de acolher e explorar bastante esse conceito das flores-flechas, eu fiz alguns estudos de composição para guiar o desenho final. Depois disso, tudo começou a fluir muito mais fácil.

Texturinhas com lápis de cor

Eu comecei a fazer o curso da Manu Montoya e descobri o trabalho da Zoe Persico quase no mesmo tempo, e fiquei muito apaixonada com as texturas de lápis de cor bem poroso que elas usam em seus trabalhos. Fiz vários testes com os lápis de cor que eu tenho aqui em casa, e para a minha feliz surpresa, os que trouxeram o resultado mais aproximado foram os lápis aquareláveis da Derwent – eu já fiz resenha deles aqui no blog, lembra?

Reflexões finais

Essa ilustração me fez pensar muito sobre alguns tópicos que eu gostaria de deixar registrado aqui pra posteridade:

  • ficar cada vez mais atenta ao ponto sutil de virada do bloqueio criativo – aquele quando a minha vontade de desenhar começa a ensaiar uma urgência.
  • acolher e realizar as vontades criativas que surgem “do nada”. mesmo que pareçam bobas. acho que elas são uma espécie de “chamado” ao prazer no processo criativo.
  • me abrir à possibilidade de pintar porque deu vontade, não necessariamente com o objetivo de concluir algo, de ter algo pronto para mostrar, de chegar em algum canto com aquilo imediatamente.
  • insistir em uma ideia até onde for saudável.
  • explorar cada detalhe dessa ideia até o cansaço,
  • e aprender a identificar esse cansaço com cada vez mais facilidade para também aprender o melhor jeito de acolhê-lo.
  • me assegurar na ideia de que basta dar o primeiro passo, que a vontade de continuar desenhando, estudando, explorando, investigando esse primeiro passo vai chegar! :~)

E é isso 🙂 se você chegou até aqui, espero que esse post tenha iluminado algo de bom por aí. Se sim, eu vou realmente adorar saber! Me conta nos comentários, por favor :~) ♥

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amaram
    A teimosia no processo criativo
    Como nasce uma ilustração (encomendada)

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